Algum tempo atrás, um amigo meu foi para Londres, o nome dele é Gabriel Bezerra. Ele é fotógrafo, e tem muita coisa boa pra falar sobre a terra da Rainha e sua experiência profissional. Caso bata uma curiosidade de ver as fotos dele deixo aqui o link do Flickr, vale a pena conferir, não é porque é meu amigo, mas porque tem muita classe, estilo e tem visão de mundo. Confira a entrevista que a The Descolaters Magazine fez com nosso amigo ruivo.
Como foi toda essa mudança de São Paulo a Londres?
A mudança é radical, poucos dias antes de você deixar o Brasil sente a sensação de deixar de existir, porque o seu mundo não será mais o seu, e uma sensação parecida com a de se formar na escola, você olha e fala “esse mundo acabou para mim agora”, e da um certo frio na barriga. Mas com um efeito muito grande, foi muito engraçado porque eu estava tão tranquilo e algumas pessoas falavam “meu, parece que eu estou mais nervoso que você que está indo”. Uma vez coloquei a cabeça no que estava acontecendo e um medo imenso começou a tomar conta, então decidi simplesmente não pensar na ida enquanto não entrasse no avião. Porém em paralelo eu já não estava no Brasil uns 5 dias antes de deixá-lo, uma sensação inexplicável, começar a olhar as pessoas, os lugares como se não estivesse no mesmo plano que eles como se estivesse assistindo um filme, porque você sabe que basicamente essa já não é mais a sua realidade.
Desde quando você está no Reino Unido? Pretende ficar até quando?
Estou desde 10 de março e irei ficar até... (risos) teoricamente seria um ano, mais talvez 2 talvez ate as olimpíadas, e depois volto para o Brasil, mas sinceramente não da para saber, aqui acontece de tudo, a gente nunca sabe o amanhã.
O que mais sentiu falta durante a primeira semana na terra da rainha?
(risos) Primeira semana, a água, porque a água daqui tem muito calcário e blá blá blá. Enfim, não é igual a água do Brasil. Basicamente isso, primeira semana você não sente falta de muita coisa.
O que te levou a fazer essa viagem até a Europa?
A intenção surgiu a mais de 5 anos, quando me veio a oportunidade através dos meus tios, com o tempo o sonho foi tomando conta e fui lutando ate transformá-lo em algo real. A vontade de aprender a língua com fluência para me ajudar na área profissional era uma das intenções, porém mais que isso era a vontade de deixar o mundinho e mudar 100% a minha vida.
Qual a coisa mais engraçada que aconteceu desde que você chegou aí?
Olha é difícil falar, minha vida em geral e um sarro, eu teria que ficar aqui falando muito, mas em geral minhas tentativas no primeiro mês de explicar coisas que não sabia na língua que eu não dominava foi um sarro, por exemplo: comprar um skate, essa foi a compra mais difícil da minha vida, porque eu não sabia falar "barato” em inglês e só sabia falar duas pecas de um skate em inglês, mas não me dei conta disso antes de entrar na loja, e fiquei duas horas para comprar um skate.
Conta um pouco dessa história de Natasha e o episodio do canudinho.
Natasha era o nome que me davam quando eu fazia alguma pérola, coisa que eu tinha muitas, enfim, não fui eu que inventei isso, a droga na sociedade hoje em dia continua tão forte, então as pessoas inventam cada coisa sem sentido (risos). O canudinho foi realmente ridículo, porque era a segunda vez que eu ia num fast food, e tomava a Coca no copo sem canudinho, só dava eu lá com o copo sem a tampa tomando na boca. Na terceira vez decidi tentar pedir um canudinho, não sabendo falar canudinho (straw), então comecei a descrever um canudinho, lembro que foi algo mais ou menos assim traduzindo em português: "por favor me vê uma forma cilíndrica de plástico com passagem de ar no meio que usamos para extrair a Coca do copo", agora imagina, você trabalha no MAC e chega um cara falando isso para você (risos).
Além desta você alguma dificuldade com o vocabulário e a língua inglesa?
Dificuldade com a língua nos primeiros 6 meses são TODAS, digamos que agora no meio do quarto mês estou começando a respirar. Entende?
Fiquei sabendo que você trata a suas câmeras como se fossem namoradas, que história é essa? Se houvesse uma garota que por ela você tivesse que abandonar a câmera, qual seria sua reação?
(risos) Sim trato câmera como namorada, quem dera eu ter tido namoradas tão boas quanto minhas câmeras, mas é um relacionamento muito forte mesmo. Óbvio que nunca trocaria fotografia por mulher!!!! E isso seria raro de acontecer, também pensando no fato de que esse é um fator que atrai mulheres. Mas uma coisa é fato, eu não namoro uma garota que não goste de foto ou não goste de ser fotografada, mas não mesmo!! Isso pra mim não teria a mínima graça (risos).
Um país novo parece sempre ter mais o que fotografar, mas se você voltasse pro Brasil qual seria a primeira coisa que você fotografaria?
Voltando para o Brasil eu amaria fotografar Osasco, isso é engraçado, mas é porque meu senso de arquitetura mudou, então me acostumei com coisas parecidas que seguem um padrão, uma lógica, um sistema por inteiro. Em Osasco, uma cidade construída dia após dia, isso não existe, e uma arquitetura louca sem era nem beira que vai ser muito interessante para mim quando voltar com um olhar diferente.
O que mais te inspira para criar a foto?
Depende muito, quando quero fazer algo interessante sempre procuro um ponto de referência para não sair apenas tirando fotos do nada. Mas geralmente minhas fotos andam de acordo com meu humor, com meu lado sentimental, afinal arte sempre mostra algo a respeito do artista e a fotografia não muda tanto, principalmente os tons de cores que o fotógrafo gosta de trabalhar.
Você teria alguma música, ou artista que te inspira a fotografar?
Música me ajuda muito, e fotógrafos também, principalmente! Não só famosos, mais fotógrafos normais, porém com visões diferentes me ajudam muito.
Como é a sua relação com o cinema? E qual foi sua experiência num Set?
Minha relação com o cinema e totalmente "closed" diríamos, tenho a grande intenção de me tornar "Diretor de fotografia cinematográfica", ele é simplesmente o responsável pelo filme ficar visualmente bonito. Tenho certo interesse em Direção geral, mas muitos pontos me fazem não querer e não ter paciência para essa carreira.Amo cinema de maneira incrível dos filmes mais bobos aos mais junks !
Os Set's, bom, já estive em dois Set's e foi muito bom, foram duas coisas que me confirmaram que cinema é trabalho pesado, mais do que as pessoas pensam; e que cinema não é pegar uma câmera e filmar, ou seja, não e fácil, nem um pouco. Tão difícil quanto medicina ou engenharia, mas ver um filme pronto faz parecer fácil. Digo o mesmo para fotografia. Me irrita, porque pessoas pegam suas respectivas câmeras e acham que tudo é fácil, mal sabem que o trabalho de criar uma foto com uma intenção é 100% diferente de ir pro parque e ficar tirando foto na arvore e fazendo book, isso e fácil, obvio, mas fotografia vai um milhão de vezes além. Cinema e algo para ricos, mas muitas vezes eles são ricos de mais para sujar as mãos trabalhando com cinema, então você pode não ser rico, mas pode ser muito bom e será achado.
Planos pra um futuro? Seja ele próximo ou distante?
Planos, nossa, tenho mil. Mas todos eles, dependem de como aconteceram os planos que ainda estão sendo executados, Mas pra esclarecer um pouco mais, a volta para o Brasil não vai ser tão breve, e na volta pretendo criar com algumas pessoas projetos de artes visuais (fotografia e etc.) grátis em escolas do governo, mas isso não é tão simples, enfim, tenho vontade de compartilhar meu conhecimento gratuitamente.
Saudade. Será algum dia capaz de esquecer o que significa a palavra tão peculiar no vocabulário brasileiro?
Saudade, isso é um grande inimigo aqui, infelizmente na terra fria se você não congela um pouco seu coração você estará sempre doente. Eu simplesmente não posso sentir saudades, porque sentir saudades sozinho é muito diferente do que sentir saudade acompanhado, então pra quem vai é mais difícil do que para todos os outros que ficam, procuro não lembrar muito das pessoas que deixei, nao ficar com aquela coisa de contato sempre e sempre, preencher minha mente e ter muito foco no objetivos. Mas no fim, a saudade sempre te pega uma hora ou outra.
Cultura, arte... Qual o maior impacto entre a realidade do Brasil para a Europa?
Impacto? Essa pergunta da um artigo de 100 paginas, mas vamos resumir: o impacto é geral, primeiro que Londres uma cidade cosmopolita, aqui você encontra quase todas as raças do mundo dividindo o mesmo teto, de indianos a russos, de brasileiros a tailandeses, então você vê um pouco do mundo inteiro. A própria Inglaterra, o fator Capital da Libra faz toda a diferença nesse tal impacto também, então Londres é uma cidade influenciada por milhares de culturas, alem da sua própria (inglesa) e todas de baixo de uma chuva de “pounds”, deixando mais claro, um brasileiro aqui pode ser diferente que no Brasil, o fator dinheiro implica muito numa cultura e percebesse isso quando passa alguns meses aqui e nota que em geral pessoas são iguais, mais as questões sociais tornam-as diferentes. Falar sobre impacto étnico em Londres é escrever livros e mais livros, pois é um assunto muito abrangente. Mas em geral adianto o seguinte: Londres não parece com o Brasil do mesmo jeito que preto não parece com branco, que água não parece com pedra, porém ao mesmo tempo as diferenças são formadas por pessoas que parecem diferentes, mas no fim são iguais...(risos) Não sei se isso vai ficar claro. Mas pra quem gosta de estudo étnico e sociologia vir pra Londres é quase fazer uma pós nisso.
Valeu ruivo pela entrevista! E boa sorte ai na cidade do Big Ben.